Era fim de tarde do dia 28 de dezembro de 2017 quando eu, passeando de carro por Parintins, passo na frente do ‘Sapatinho’, bar de frente pro rio Amazonas na Faria Netto, e vejo de longe a figura do tio Emerson, usando seu chapéu característico.
Apenas para contextualizá-los: na noite anterior, havia acontecido a seleção de toadas para o CD de 2018 e, depois de dez anos, finalmente teríamos uma toada de Emerson Maia, a quem chamo de tio por ser amigo de infância do meu pai e pai dos meus primos Emersonzinho e Bill, no disco do Garantido.
Eu estava tão animado com essa toada (porque ela é mesmo fora de série!) que parei o carro e já desci de braços abertos cantando, do outro lado da rua:
A coisa mais linda do mundo
É quando no mês de junho
No meu são josé
Em cada rosto, um sorriso
É a festa do boi garantido
Que já vai começar
A tampa da chaleira vai voar
Tio Emerson levantou da mesa, já sorrindo, e veio ao meu encontro no mesmo ritmo. Nem nos falamos, apenas cantamos a toada até o final e, só depois de concluí-la, nos abraçamos.
Ficamos mais de uma hora conversando aí mesmo onde tiramos a foto. Eu, tio Emerson e tio Osório Nogueira. No meio de tanto assunto, resolvi criar coragem para perguntar o porquê da nova toada dele se chamar ‘É junho, é festa!’.
Pra quem não sabe, esse é um trecho da toada ‘Os Pescadores’, do Contrário, de autoria de Chico da Silva e Marcos Santos. Trecho esse que sequer constava na toada do tio Emerson!
Eu não me conformava com isso! Fui sentindo que não era ideia dele, então resolvi indagá-lo:
- Tio, mas afinal, qual é o nome da nova toada?
- Não tem nome não, meu filho. Só mandei e lá os caras se resolvem... Por que?
- Porque na seleção ela tava com o nome de ‘É junho, É festa!’ e, sendo bem sincero, tio, eu não acho legal o senhor voltar pro CD do Garantido depois de tantos anos tendo como nome da toada um trecho de uma composição do Contrário. (Nessa hora eu cantei a toada do Chico e do Marcos)
Ele olhou pra mim com um sorriso contido de quem sabia onde isso ia chegar, olhou pro tio Osório e falou:
- O curumim tem razão, Osório! Me diga uma coisa, meu filho... Qual é o nome, então?!
Eu, que já fui com a faca entre os dentes pra mudar aquela situação, respondi olhando pro alto e com os dois braços fazendo um gesto típico de publicitário que tenta vender a sua ideia, como quem tenta imaginar uma placa gigante à sua frente:
- ‘A Coisa Mais Linda do Mundo’, tio! Coisa que o Garantido, de fato, é. Sem falar que essa é a primeira frase da toada, ia facilitar muito para as pessoas lembrarem como ela começa...
- Taí, gostei! E ainda dá pra mudar será?
- Deixe comiiigo, tio, deixe comigo..
Passei as semanas seguintes ligando para os produtores do CD (Paulinho Du Sagrado, Enéas Dias e Álder Oliveira) e enchendo o saco perguntando se estava tudo OK com o nome da toada. Eu dizia pra eles que ‘Olha, ele falou que o nome não é aquele, não... É esse aqui!’, mas na verdade tudo não passava de um esforço individual para que a toada do tio não entrasse com o nome de toada do Contrário.
Fui fã incondicional do tio Emerson em vida e decidi contar essa história porque é a lembrança mais recente que tivemos relacionada ao nosso Boi. Jamais imaginei que estávamos ali, naquela tarde despretensiosa de final de ano, dando nome à sua última toada pelo Garantido.
Que honra ter compartilhado esse momento com o senhor e que saudade imensa do estilo único das suas toadas nós vamos sentir, tio Emerson.
Como um dia o senhor mesmo disse: Silêncio, tudo está consumado.
Hoje partiu o maior compositor da história do Garantido.
Do seu sobrinho,
João Paulo Faria