Índios isolados na Amazônia

O debate fez parte de um evento paralelo à 20ª Sessão do Fórum Permanente de Assuntos Indígenas das Nações Unidas, na última sexta-feira, e teve o objetivo de levar denúncias ao plano de ação internacional

Índios isolados na Amazônia Maloca de indígenas em isolamento voluntário na Terra Indígena Kampa e Isolados do Rio Envira. Foto: Gleilson Miranda/CGIIRC/Funai Notícia do dia 17/05/2021

A questão envolvendo os povos indígenas em situação de isolamento voluntário ou de pouco contato, os livres, foi debatida em evento paralelo à 20ª Sessão do Fórum Permanente de Assuntos Indígenas das Nações Unidas, na última sexta-feira. Promovida pela Equipe de Apoio aos Povos Livres, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), com o tema Territórios assegurados, condição de paz e justiça para os Povos Indígenas em Isolamento Voluntário”, a atividade reuniu lideranças indígenas, representantes de organizações indigenistas e do organismo multilateral da ONU, além das pessoas que participaram pelo aplicativo Zoom e assistiram pelo Facebook.

O objetivo foi de estreitar a atuação conjunta internacional em prol da proteção dos povos isolados e da garantia da paz nos territórios onde circulam estas populações. O debate teve um caráter e reflexivo, que parte da urgência causada pelo momento em que vive o Brasil. O governo Bolsonaro, conforme a reflexão dos participantes, representa um momento histórico de ameaça às florestas e ao direito à vida dos povos indígenas, especialmente dos povos isolados ou de pouco contato, pela sua política de atuação frente à pandemia do novo coronavírus e pelo seu incentivo a invasões de territórios por parte de madeireiros, garimpeiros e missionários fundamentalistas.

De acordo com os conferencistas do evento, se faz necessária uma ação imediata para garantir o direito à vida dos povos isolados e da população indígena em geral. Uma ação que seja somada a recomendações internacionais e que fortaleça quem já está nos territórios defendendo os povos de invasores.

O coordenador da Equipe de Apoio aos Povos Livres e integrante do Cimi Regional Maranhão, Gilderlan Rodrigues da Silva, fez a mediação e descreveu os povos livres como “aqueles grupos que optaram, para preservar sua vida e sua autonomia, por manter contato sistemático ou permanente com a sociedade envolvente”. Antes de introduzir o debate, Gilderlan convidou dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho e presidente do Cimi, a dar uma palavra de abertura. " Estamos fazendo de tudo para que nossas florestas não sejam devastadas, não sejam destruídas. Se ela for destruída, todas as pessoas que vivem no meio delas também serão”

O arcebispo destacou a bravura dos povos isolados e de pouco contato frente ao atual cenário: “estas populações desconhecem a atuação do Estado, democracia, até as diversões mais simples do nosso cotidiano, mas cada vez mais conhecem a violência apresentada pela nossa sociedade e pelo governo”. Dom Roque saudou os presentes agradecendo com esperança a articulação proposta na conversa: “a simples existência desses povos nos deslumbra horizontes a agir agora de forma decidida em sua defesa. Não podemos permitir o risco do genocídio. Não podemos ignorar esse momento. Nossa obrigação é estar ao lado e exigir que o Estado cumpra com suas obrigações”.

O presidente do Cimi lembrou ainda da criação da Equipe de Apoio aos Povos Livres, há 20 anos, e da luta do padre e assessor antropológico Gunter Kroemer na criação desta equipe e no trabalho de defesa dos povos. “O Cimi, ao longo dos seus 49 anos, tem procurado estar vigilante e intransigente na defesa da vida desses povos, que nos ensinam sobre convivência e respeito nesses tempos de crise”. Para finalizar, agradeceu a quem empenha seus esforços para que a vida dos indígenas seja respeitada e para que possam escolher os caminhos que desejam seguir.

O ataque aos povos isolados e a urgência da defesa

Liderança do povo Tenetehar/Guajajara, Antônio Wilson Guajajara é um dos indígenas “Guardiões da Floresta”, articulação de defesa da Terra Indígena do povo e dos povos isolados que vivem nela. Wilson, que é cacique da Terra Indígena Karu, município de Bom Jardim, Maranhão, relatou os ataques que vêm sofrendo em seu território através da invasão de madeireiros e garimpeiros guiados, segundo ele, apenas pela ambição de conseguir cada vez mais minério, ouro, dinheiro, de retirar todas as riquezas de dentro da floresta.

Estamos fazendo de tudo para que nossas florestas não sejam devastadas, não sejam destruídas. Se ela for destruída, todas as pessoas que vivem no meio delas também serão. Pois é da floresta que ainda estamos conseguindo respirar, viver uma vida digna”. O cacique Guajajara destacou que os ataques não se restringem ao seu povo. Trouxe o exemplo dos grupos isolados e de recente contato do povo Awá-Guajá, que vêm sofrendo fortes ataques de madeireiros. A ação dos Guardiões da Floresta é também para evitar que povos isolados, como os Awá, sejam dizimados pela ofensiva atual.

Para Wilson Guajajara, os ataques se intensificaram nos dois últimos anos, com o governo Bolsonaro. Além do desmonte e aparelhamento de órgãos como a Polícia Federal, Ibama e Funai – que controlados politicamente por setores anti-indígenas deixaram de fazer o trabalho de fiscalização, por exemplo. Ocorre que o governo federal tem incentivado a atuação dos invasores, inclusive tentando legalizar o garimpo em terras indígenas – como no caso do Projeto de Lei 191/2020.

“Em um contexto tão complicado, é fundamental não só discutir, mas assumir os compromissos e uma aliança para defender o direito à vida dessas populações isoladas”

“Onde eu imaginava que ia ter apoio, do governo, estamos tendo um inimigo, que nos odeia. Que não quer ver nossa floresta em pé. Que não quer ver nossos rios correndo água, com nossos peixes. O Bolsonaro falou para o mundo esta semana que a Amazônia é a mais protegida. Isso é mentira. Nunca tinha visto um presidente com maior ódio pelos povos indígenas. Faz com que seu ministro do Meio Ambiente libere carradas e carradas de madeira ilegal. Estamos em verdadeiras ilhas sendo atacados. O que resta é proteger quem vive dentro delas”. Para isso, os Guajajara mobilizam homens e mulheres no enfrentamento direto contra os invasores.

No entanto, o Guajajara apela ao apoio internacional: “estamos fazendo o que a gente pode, mas estamos indo contra os mais poderosos. Não estou clamando por dinheiro, como o presidente fez esta semana. Dinheiro que ele quer usar de uma forma errada, para apoiar os fazendeiros, os madeireiros, o agronegócio, todos aqueles que trazem lucro para ele e destruição para o nosso povo”.

Maloca de indígenas em isolamento voluntário na Terra Indígena Yanomami. Foto: Funai

Maloca de indígenas em isolamento voluntário na Terra Indígena Yanomami. Foto: Funai

O fundamentalismo religioso ameaça os povos isolados

Ângela Kahyana é coordenadora executiva da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e começou sua intervenção falando diretamente a dom Roque, presidente do Cimi, e a Jan Jarab, representante regional para o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), na América do Sul.

Pediu ao presidente do Cimi apoio para disseminar a palavra de que povos indígenas estão sendo dizimados em nome de uma religião e isso “não é legal, não é moral”. Era um alerta de Ângela para uma grande ameaça que sofrem os povos isolados: a ação das missões fundamentalistas neopentecostais, também impulsionadas pelo governo Bolsonaro.

Assim como destacou Lino João de Oliveira Neves, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e da Equipe de Apoio aos Povos Livres (EAPIL – Cimi), a ação de missionários evangélicos é uma estratégia extrema de ataque aos direitos indígenas, à sua autodeterminação e às formas e maneiras usadas por estes povos para viver de acordo com suas culturas. A evangelização segue sendo um dos primeiros passos para a exploração extrativista dos territórios.

Para Jarab, Ângela pediu que leve adiante o clamor de que é preciso responsabilizar o Estado pelas atrocidades que vem se configurando como genocídio. “Em um contexto tão complicado, é fundamental não só discutir, mas assumir os compromissos e uma aliança para defender o direito à vida dessas populações isoladas”, disse Ângela.

“Quando falamos de povos que escolhem viver de forma autônoma é a garantia de viver daquele modo de vida. Negar isso é uma violação que se destrincha várias outras”

A situação é tão dramática, conforme a coordenadora da Coiab, que é difícil mensurar se a invasão de 521 anos atrás foi tão violenta quanto essa ofensiva do governo Bolsonaro. “É preciso ser tomada uma ação imediata para que essas pessoas continuem vivendo”. Para Ângela, estamos falando sobre o direito à vida, de permitir que povos e populações vivam no seu modo de ser.

“Quando falamos de povos que escolhem viver de forma autônoma é a garantia de viver daquele modo de vida. Negar isso é uma violação que se destrincha várias outras que envolvem toda uma conjuntura”, disse. A liderança destacou alguns elementos que acirraram as violações a partir de 2019. Primeiro, a pandemia, que, segundo ela, é mais um vírus na história indígena, mas que atualmente, ao chegar de forma desoladora, como tem sido, escancara o papel e a fragilidade do Estado no cuidado com a saúde dos povos isolados.

Além disso, a inoperância do governo federal, orquestrada por políticas anti-indígenas, do não controle dos crimes ambientais e da não responsabilização da invasão de território, promove recordes de desmatamento e de queimadas. É a morte chegando, a galope, e de formas distintas. “Nunca houve um governo que se declarasse tão anti-indígena e que atacasse tanto os direitos dos povos indígenas”, criticou.

Isolados na Terra Indígena Yanomami. Foto: acervo Funai/FPEYY

Isolados na Terra Indígena Yanomami. Foto: acervo Funai/FPEYY

Mais territórios afetados

Este conjunto de graves ameaças se repete em muitos dos territórios indígenas com presença de povos isolados, entre os quais se destacam as Terras Indígenas (TIs) Yanomami (AM/RR), Vale do Javari (AM), Ituna/Itatá (PA), Uru-Eu-Wau-Wau (RO) e Piripkura (RO), além das terras dos povos Guajajara e Awá Guajá, todas na região amazônica, e na TI Inãwébohona, na Ilha do Bananal, Tocantins, na região Centro-Oeste.

No começo de sua fala, Lino João de Oliveira Neves, professor da Ufam, trouxe o quanto o debate estava relacionado com a fala do Kurá Kanamari, liderança da Terra Indígena do Vale do Javari, na fronteira com o Peru. Kura falaria no dia anterior, na plenária do Fórum da ONU, mas por uma falta de luz conseguiu apenas gravar um vídeo, que Lino nos convidou a ver.

Na mensagem de pouco mais de três minutos, Kura denuncia e pede apoio aos povos isolados do Vale do Javari, onde há a maior concentração de povos isolados do mundo. “O Vale do Javari pede socorro quanto à segurança dos parentes isolados. Sou testemunha do grave risco que sofrem meus parentes. Garimpeiros, madeireiros agem em total liberdade, incentivados pelo governo Bolsonaro. A Funai perdeu total controle da fiscalização e da proteção. A situação é ainda mais crítica com a propagação da covid-19, que pode provocar o genocídio dos parentes. É uma situação dramática que vivem, com a crescente invasão dos seus territórios, os povos Yanomami, Guajajara, Pirirkipukara, Ilha do Bananal”, destacou.

“Essa ofensiva contra os povos indígenas é muito grave, é trágica, principalmente sobre a população de isolamento. Essas violências contínuas e violações sistemáticas atingem o direito dos indígenas”

Kura Kanamari afirmouq ue estava ali para defender o direito dos povos indígenas em isolamento voluntário, em extrema ameaça, “só comparado com a ditadura militar, onde houve grande perda populacional. Solicito apoio do Fórum para cobrar o governo brasileiro para desempenhar de maneira eficiente a fiscalização e proteção. Solicito apoio de toda humanidade para que olhem por nós. Só nós defendemos a nossa Terra Indígena, sem o apoio do governo, mas sim através da nossa organização e da força espiritual que temos”.

O professor Lino salientou duas ameaças: a defesa do governo das missões fundamentalistas em terras indígenas, estratégia para abrir caminho para expansão extrativista dos recursos naturais. “Não pensam os povos indígenas como sujeitos de direitos, mas a serem tutelados”. Também lembrou a tentativa de Bolsonaro de incentivar a cisão interna das comunidades, como no caso dos Munduruku (PA), onde há um grupo aliado à garimpagem, e dos indígenas Pareci (MT), em que parte deste povo se tornou espécie de embaixador do agronegócio em seu projeto de intrusão nas terras indígenas por parceiras agrícolas e arrendamentos.

“Essa ofensiva contra os povos indígenas é muito grave, é trágica, principalmente sobre a população de isolamento. Essas violências contínuas e violações sistemáticas atingem o direito dos indígenas, não só retóricos, mas assegurados na Constituição, na Convenção 169, além das recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos. É vasta a documentação de proteção, que não é cumprida pelos Estados Nacionais (tanto no Brasil quanto do outro lado das fronteiras)”, apontou Lino.

A invisibilização e a vulnerabilidade

Na intenção de fortalecer as normativas que garantem proteção aos territórios, onde circulam os povos isolados, Fabrício Ferreira Amorim, do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, apresentou em sua fala a Resolução 44. O documento, elaborado pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), de dezembro de 2020, dispõe sobre princípios, diretrizes e recomendações para a garantia dos direitos humanos dos povos indígenas isolados e de recente contato, bem como para a salvaguarda da vida e bem-estar desses povos.

Em sua apresentação, Fabrício, que atuou na Funai entre 2018 e 2019, destacou a necessidade de medidas permanentes de proteção territorial dos povos isolados e a suspensão de grandes empreendimentos próximos a estes povos. Ele alertou para o fato dos licenciamentos ambientais e de obras respeitarem o cronograma de metodologia de pesquisa e de consulta prévia.

De tal maneira, Fabrício destacou a importância de operadores do Direito, como o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU), de acompanharem as expedições de coletas de informação. Ainda, Fabrício assinalou a importância dessa coleta de informações, do reconhecimento dos povos, já que a garantia de direitos por intermédio da documentação sobre eles. Alertou para a importância do monitoramento do entorno dos territórios como cuidado à saúde dos povos isolados.

“Há povos que se expõem mais, outros menos. Há grupos com tamanhos populacionais consideráveis, outros nem tanto. O termo ‘isolados’ não reflete muito a diversidade encontrada nessas populações”, afirmou. Fabrício trouxe outra reflexão, que perpassou a fala de participantes e que evidencia o modus operandi do Estado brasileiro frente o reconhecimento dos povos isolados e de pouco contato: a invisibilidade.

“Há quem diga que existem povos que são invisíveis. Eu não acredito nisso. A invisibilidade é promovida pelo Estado e pela sociedade. Eles têm uma forma peculiar de se manifestar. Deixam armadilhas, rastros, para enganar quem quer seguir. Deixam vestígios. São formas de se relacionar, de se manifestarem e dizerem, por exemplo, que não querem que as pessoas cheguem até lá. Os rastros existem. Nesse sentido, quem invisibiliza é o próprio Estado”, opinou.

“É preciso citar que esta população está cercada por um pacote de ameaças: a hidrelétrica de Belo Monte, a mineração envolvida na Belo Sun, o asfaltamento da Transamazônica”

Segundo o relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados 2019, do Cimi, atualmente existem 116 povos isolados. No levantamento oficial do governo federal, feito pela Funai, são apenas 28. Uma diferença de 88. Para Lino João, ao contrário do que podemos pensar, não é que a Funai reconheça 28. Na verdade, o órgão indigenista estatal desconhece propositalmente 88, negando assim os direitos dessas populações. “Nega existência para não reconhecer como sujeito de direito”, afirma Lino. “Se os indígenas isolados não existem, não são sujeitos de direitos. Não reconhece, torna invisíveis. Fazendo isso, a Funai nega o direito. Por isso, temos que enfatizar a visão política”.

Ângela, por sua vez, evidenciou, como caso exemplar, a agenda orquestrada pelo governo federal para invisibilizar a presença de isolados na Terra Indígena Ituna/Itatá, nos arredores de Altamira, no Pará. Evidenciou a vinculação desse processo com o projeto de depredação da Terra Indígena por empreendimentos. “É preciso citar que esta população está cercada por um pacote de ameaças: a hidrelétrica de Belo Monte, a mineração envolvida na Belo Sun, o asfaltamento da Transamazônica”, disse. Não reconhecer esta população é desconsiderar previamente as recomendações de consulta, por exemplo, trazidas na resolução 44 ou na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Como o mediador, Gilderlan comentou, na apresentação do evento, que os povos livres, no processo de optar pelo isolamento para manter sua autonomia ou preservar a vida, enfrentam o contato com diferentes frentes econômicas de exploração dos seus territórios. O que aumenta a vulnerabilidade de grupo heterogêneos, que podem ser maiores ou menores; com maior ou menor capacidade de resistência.

Maloca de povos isolados. Foto: Gleilson Miranda/CGIIRC/Funai

Maloca de povos isolados. Foto: Gleilson Miranda/CGIIRC/Funai

A urgência de uma articulação internacional efetiva de apoio à defesa dos territórios

O  representante regional para o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) na América do Sul, Jan Jarab, começou sua fala expressando solidariedade pessoal e institucional aos defensores de direitos humanos indígenas. “No Brasil, estamos observando, com particular preocupação, desde antes da pandemia, o desmantelamento de diversas agências autônomas e relevantes de proteção à natureza e dos povos indígenas”, disse.

Segundo Jarad, procedimentos especiais da ONU, como o Exame Periódico Universal, mecanismo dos defensores dos direitos humanos sobre os povos indígenas, têm manifestado preocupação em relação ao desrespeito que os povos indígenas em isolamento voluntário vêm sofrendo sobre a decisão de não contato, sendo este um direito garantido por tratados internacionais. “Estes mecanismos têm recomendado ao governo brasileiro a garantia da proteção dos povos indígenas, com recomendações específicas aos povos que vivem em isolamento voluntário”.

Jan Jarad, em sua fala, afirmou que a ONU está ciente em relação às denúncias feitas por Ângela e Wilson, no que diz respeito ao acirramento da desigualdade devido à pandemia e também referente ao modo como a covid-19 está atingindo aos povos indígenas, especialmente os isolados ou de pouco contato. Também citou as ofensivas sofridas com as invasões da mineração e do garimpo nos territórios.

“Estou consciente que isso pode parecer distante devido à situação fora de controle da pandemia. No entanto, deveríamos pensar na fase de recuperação após essa situação”

O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) na América do Sul, apontou Jarad, segue recomendando aos Estados da região a necessidade, por exemplo, de que os governos construam junto com os povos estratégias de combate à covid-19. Sugere também o fortalecimento de povos que vivem próximos aos povos isolados.

“Estou consciente que isso pode parecer distante devido à situação fora de controle da pandemia. No entanto, deveríamos pensar na fase de recuperação após essa situação. Não se deve tratar de uma recuperação somente econômica, baseada nesse modelo econômico destrutivo. Não se deve permitir o desenvolvimento descontrolado de empresas extrativas em terras indígenas, na região amazônica”, finalizou.

Responsabilização e forma de proteção

O professor Lino trouxe a importância de fazer com que os governos sejam responsabilizados pelo não cumprimento das recomendações internacionais. “É preciso fazer força para que os organismos multilaterais, Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Relatoria da ONU, tomem as recomendações não só por ordem jurídica, mas como ordem política”, destacou.

Para Ângela Kahyana, os povos indígenas, e em especial os povos isolados e de pouco contato, estão frente a frente com situações críticas de invasão e perda de territórios. “Enquanto Coiab, temos somado esforços de denunciar e se aliar às ações de proteção de territórios. Porque o interesse pela vida dessas populações isoladas é nosso também. São nossos familiares, nossos parentes. Sangue do nosso sangue”, declarou.

“Estas populações desconhecem a atuação do Estado, democracia, até as diversões mais simples do nosso cotidiano, mas cada vez mais conhecem a violência apresentada pela nossa sociedade e pelo governo”

Wilson Guajajara finalizou com um apelo à comunidade internacional: “todas as pessoas de outros países, que estão ouvindo a minha voz, minha voz de dentro da mata, que está vendo todo esse sofrimento, nos resta a união. Pegar na mão daqueles que lutam pela floresta, dos nossos amigos que estão do nosso lado. Esta é uma ação para salvar o meu povo, mas também para toda a humanidade, para que a gente consiga salvar os animais, a floresta, e ainda se houver tempo de salvar a humanidade de uma verdadeira catástrofe. O presente somos nós, o futuro são nossos filhos”.

O evento, que teve transmissão com tradução simultânea para o inglês e espanhol, foi transmitido para mais de duas mil pessoas através do Zoom e do Facebook. Ao vivo, foi reproduzido por uma rede de organizações indigenistas, indígenas e dos movimentos sociais como um todo. Você pode assistir na íntegra aqui.

As articulações seguem

O evento paralelo fez parte da 20ª Sessão do Fórum Permanente de Assuntos Indígenas das Nações Unidas, que começou no dia 19 de abril e seguiu até o dia 30, com a participação de organizações indígenas e indigenistas do mundo todo. O Cimi, organização com status consultivo na ONU, participará de uma série de atividades e debates da programação oficial, garantindo espaços de fala a lideranças indígenas do Brasil e da América Latina, e realizando outras atividades paralelas.

 

POR ALASS DERIVAS, ESPECIAL PARA A ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO – CIMI