Novo ministro aponta concepção 'autoritária' no governo Dilma

Revista publicou neste mês entrevista do escolhido para a Educação. Janine Ribeiro, que toma posse no dia 6, vê 'decepção' na economia.

Novo ministro aponta concepção 'autoritária' no governo Dilma Notícia do dia 28/03/2015

Anunciado nesta sexta-feira (27) como novo ministro da Educação, o filósofo e professor Renato Janine Ribeiro afirma em entrevista na edição deste mês da revista "Brasileiros" que a presidente Dilma Rousseff não faz política, tem uma concepção de governo "autoritária" e não dá autonomia aos ministros.

Segundo Janine Ribeiro, professor aposentado de ética e filosofia política da Universidade de São Paulo (USP), o governo foi "uma decepção do ponto de vista econômico" e por isso é obrigado agora a adotar uma política "tucana".

O filósofo é o personagem de capa da edição da revista que está nas bancas neste mês. No site da publicação, a entrevista, intitulada "A política e a perda do discurso ético", foi ao ar no último dia 16, pouco menos de duas semanas antes de ele ter sido convidado por Dilma para ministro da Educação, em substituição a Cid Gomes, que pediu demissão.

Para Janine Ribeiro, a presidente "prometeu fazer uma coisa e está fazendo o contrário", em razão, segundo afirmou, de uma concepção de governo "no limite, autoritária", pela qual "não precisa prestar contas à sociedade".

Na entrevista, ele defende que o atual ministro do Desenvolvimento Agrário, Patrus Ananias, "teria mais o perfil" para ser o candidato do PT a presidente em 2014, mas, segundo disse, Dilma foi escolhida pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva porque era "a mais próxima do empresariado".

O professor avalia que os ministros com mais autonomia no governo são Joaquim Levy (Fazenda) e Juca Ferreira (Cultura). Os demais, afirmou na entrevista, "continuam tendo as orelhas puxadas cada vez que falam uma coisa de que ela [Dilma] não gosta". Para ele, Levy tem autonomia porque "talvez seja o único ministro indemissível" e Juca Ferreira porque "tem força no meio cultural" e um orçamento pequeno, o que dá "grande autonomia".

O novo ministro, que tomará posse no próximo dia 6, em cerimônia no Palácio do Planalto, também critica o PT. Para ele, o partido "desocupou o espaço que tinha" e está deixando um "vazio" na política, que, conforme explicou, deu força ao PMDB. Janine Ribeiro classifica como "meio triste" o período de 12 anos de governo do PT "sem enfrentar jamais o capital".

Ele também direciona críticas para o PSDB, principal partido de oposição, e para a mídia, "que é simpática a eles [os tucanos] e detesta o PT" – o futuro ministro defende que a esquerda crie seus próprios órgãos de mídia em vez de "uma proliferação de blogs, que alguns chamam de sujos".

Sobre o PSDB, afirma que a sigla teria vocação para se tornar um partido do empreendedorismo, mas "está mais para ser um partido do grande capital". Segundo diz Janine Ribeiro na entrevista, o PSDB passou a ter "um projeto mais policial do que político".

"Apesar de todas as críticas ao PT, acho o PSDB pior do que o PT, mas eu não gostaria de continuar votando no mal menor", declarou.

Principais pontos
Leia abaixo alguns dos principais trechos da entrevista.

Há toda uma crônica policial que os favorece [o PSDB], assim como uma mídia que é simpática a eles e detesta o PT. Isso leva o PSDB a ter um projeto mais policial do que político. Eles estão vendendo para si próprios a ideia de que quase venceram a eleição. E isso os está cegando e os tornando incapazes de fazer uma crítica do que poderiam ter feito e de como atuar hoje. Hoje, está claro o seguinte: como o governo da Dilma foi uma decepção do ponto de vista econômico, então, a política que ela está adotando agora é tucana. Com ressalvas, mas é parecida com a dos tucanos.

Os cortes nos programas sociais também poderiam ter sido explicados. A questão do defeso, da compensação para o pescador no período em que ele não pode trabalhar. Poderia ter explicado que o defeso é alvo de muita fraude. Poderia ter colocado isso mais a público. Não colocou. Não há nenhuma satisfação sendo dada. E os ministros continuam tendo as orelhas puxadas cada vez que falam uma coisa de que ela não gosta. Não há autonomia dos ministros.

Os ministros com mais autonomia são o Joaquim Levy e o Juca Ferreira. O primeiro justamente por ser quase uma intervenção tucana na economia, um símbolo do descumprimento da promessa de campanha. O segundo está em uma pasta para mim fundamental, mas não para o governo, que é o Ministério da Cultura. Mas Juca Ferreira tem força no meio cultural que dá a ele grande autonomia. Como ele maneja um orçamento pequeno, comparado com o resto, provavelmente não vai levar puxão de orelha. Os outros ministros correm o risco de terem a orelha puxada o tempo todo. O que torna difícil para eles irem a público. Vão defender o quê? De repente, muda tudo. Defendem o governo e recebem uma correção de cima.

Dilma deveria fazer política, no sentido de reconquistar o eleitorado. Enquanto a oposição faz coisa de polícia, e não de política, o governo não está fazendo nenhuma das duas coisas. Por que Dilma foi escolhida? Eu sempre tive a convicção de que Patrus Ananias teria muito mais o perfil (para a Presidência), por ser alguém que teve sucesso nas políticas sociais, que já tinha exercido cargos de chefia, ter uma origem no PT mais antiga e circular bem politicamente. Provavelmente, Lula a escolheu porque achou que dos nomes possíveis do PT era a mais próxima do empresariado. Eu pensava que ela iria fazer uma política mais de direita, mais próxima dos empresários.

Dilma não parece ter muita simpatia por um elenco de temas de esquerda. Ela nem tem familiaridade com os termos. Tempos atrás, ela falou sobre opção sexual e não orientação sexual. Um presidente da República que vai falar tem de ser brifado. Nenhum presidente ou chefe tem de saber tudo. Ele tem de saber menos do que cada um de seus ministros. Mas ele tem de fazer política.

Dizem que ela intervém demais nos ministérios, que não tem muita confiança (nos ministros). Tivemos uma eleição mais alicerçada nos defeitos de um candidato do que nas qualidades do outro. Não foi uma eleição em busca do melhor. E estamos com um problema grande hoje porque não vemos uma saída. Não vejo um horizonte de melhora na disputa política. Mas vamos pensar no que é melhor para o Brasil e não para o PT.

Não vejo vontade de tirar a Dilma do governo, a não ser do próprio PSDB e talvez de setores da mídia. A carta-testamento de Getúlio tem uma parte muito triste afirmando que o povo nunca mais será escravo. Foi. Houve mais 20 anos de ditadura. Hoje, temos uma classe dos mais pobres com muito mais autonomia. O pobre de algumas décadas atrás era mais humilde. Hoje, é muito mais afirmativo.

Se Dilma acabar renunciando, ou pior ainda, se sofrer um impeachment, este País vai ficar em um conflito muito grande. Não adianta Temer fazer um governo melhor, porque a temperatura estará aquecida. Mas vamos pensar em 2018. O PT pensa no Lula e o PSDB, pelo visto, vai de Aécio, Serra ou Alckmin. Do quarteto que toma decisões, o único que não deve concorrer é o Fernando Henrique. Beto Richa, que poderia entrar no clube depois de o PSDB ter perdido em Minas, está sob um tiroteio muito forte.

Se encontrarem algum sinal de que ela tampou a corrupção na Petrobras, vai ser feio, muito feio. Mesmo que ela tenha feito isso a contragosto. Mas o problema não é esse. O problema é o descontentamento de uma parte da sociedade. Quem votou nela está meio estupefato, pelo caminho que Dilma tomou e não se sabe se esta medicina mais neoliberal vai funcionar ou não. Outro ponto importante é que parte do PT tem posições conservadoras. Em junho de 2013, o partido condenou os protestos. Em outras condições, o PT nadaria de braçada. É a ideia de Sartre: há sempre razões para se revoltar. A revolta é legítima. Outra coisa: o PT virou o partido que diz em público compreender a corrupção. Isso é muito ruim. Os protestos contra as condições de encarceramento dos empresários saíram mais de pessoas ligadas ao PT do que de partidos de direita.

O nosso sistema tem uma coisa muito boa: o período de campanha eleitoral, sobretudo para presidente, ele destroça quem não tem consistência. Dilma levou três anos de cacete. Aécio levou um ano de porrada. Marina não aguentou dois meses. O fato de se ter um projeto mais ou menos consistente conta. Hoje, não visualizo isso em ninguém. O PT e o PSDB são fracos nesse ponto. Apesar de todas as críticas ao PT, acho o PSDB pior do que o PT, mas eu não gostaria de continuar votando no mal menor. //G1