DITADURA: OS AMORES NA MENTE, A HISTÓRIA NO CHÃO ...

Lembrar a luta destas pessoas é chamar a cada um de nós, brasileiros, a responsabilidade de não permitir o retorno de nada tão vil e revoltante. Traumas físicos e psicológicos, famílias foram destruídas, ideais e perspectivas de vida foram arrasados, nem

DITADURA: OS AMORES NA MENTE, A HISTÓRIA NO CHÃO ... fotos Arquivo Notícia do dia 31/03/2015

Ao escrevermos este artigo, buscamos por meio da informação, divulgar os acontecimentos durante o período da Ditadura Militar no Brasil, período iniciado no ano de 1964 e que perdurou até o ano de 1988. As marcas ainda estão bem nítidas, embora particulares, misturam-se a tantas outras que juntas, compõem um dos períodos mais lamentáveis da nossa história recente, os anos de chumbo da Regime Militar no Brasil. O horror vivido nesse período, não deve ser esquecido e as conseqüências posteriores, tão pouco ignoradas.

Aos poucos as histórias aparecem. Relatos sofridos que expressam a violação dos direitos humanos, através da tortura, da censura pesada a todo tipo de expressão e comunicação e o uso da violência sem limite ou justificativa, o direito de escolha e principalmente, o cerceamento à liberdade.

Inúmeros brasileiros pagaram com a vida, ao todo 434, conforme o Relatório da Comissão Nacional da Verdade, divulgado em 2014, por se voltarem contra o aparelho repressivo do Estado. Ter opinião contrária, querer mais dignidade, ou simplesmente estreitar laços de relacionamento com pessoas suspeitas, ou mesmo, estar no lugar errado, na hora errada, eram justificativas suficientes para ser considerado subversivo e inimigo do Governo.

Lembrar a luta destas pessoas é chamar a cada um de nós, brasileiros, a responsabilidade de não permitir o retorno de nada tão vil e revoltante. Traumas físicos e psicológicos, famílias foram destruídas, ideais e perspectivas de vida foram arrasados, nem crianças e adolescentes foram poupados da humilhação de terem seus corpos, mentes e direitos violados. O detalhe é que quem deveria oferecer proteção, era quem coagia.

E para iniciar a história dos tantos brasileiros vitimas do aparelho repressor do Estado, faço uso de um dos ensinamentos das cartilhas de repressão usadas pelos militares na época. “Você já matou seu comunista hoje?”

Dos muitos brasileiros que somam a essa estatística dos “desaparecidos”, destaco um em especial, não porque sua luta tenha sido diferente dos demais, mas pela sua origem, Thomaz Antônio da Silva Meirelles Netto, o “Tomazinho”, parintinense desaparecido nos porões da ditadura militar em 1974, aos 36 anos.

Os poucos registros sobre a história de Thomazinho Meirelles são descritos no livro “Ecos da Saudade – Lembranças da Família Meirelles, de Edda Meirelles da Silva e os relatórios da Comissão Nacional da Verdade.”

Nasceu em Parintins, em 1 de julho de 1937, jornalista e sociólogo atuou, como redator dos jornais A Crítica e A Gazeta, mas é com o movimento estudantil que sua luta ganha força. Participando ativamente da vida política do país com ideias contestadoras ao que se apresentava no panorama político da época. Ideias amadurecidas em suas experiências de luta com os estudantes e na oportunidade de realizar seus estudos na Universidade de Moscou, em 1962, onde cursou Filosofia.

Atuou na União dos Estudantes Secundaristas – UBES, conforme atesta um documento oficial do arquivo do Legislativo Parintinense, de julho de 1961, no qual Thomazinho exerce a função de Secretário Geral, o documento é assinado pelo próprio Thomaz. É importante salientar que este é o único documento oficial que faz referência a participação de Thomazinho na vida política encontrado nos arquivos do Legislativo.

Sua participação nas ações da União Nacional dos Estudantes - UNE, na campanha de legitimação da posse do vice-presidente João Goulart, em 1961, seu ingresso no Partido Comunista Brasileiro – PC do B e posteriormente na Aliança Nacional Libertadora – ALN representaram motivos suficientes, para que os novos defensores da pátria os militares, amparados pelas instituições governamentais o considerassem pernicioso e subversivo.

Sua primeira prisão aconteceu em 1970, mas desde 1969, quando retorna ao Brasil, já vivia na clandestinidade. Levado ao Destacamento de Operações e Informações – Centro de Defesa Interna, DOI-CODI, do I Exército, foi interrogado e torturado. Condenado a três anos e meio de reclusão, foi libertado em 1972. O motivo da prisão, suas atividades na ALN e por ter estudado na União Soviética.

Embora “livre”, continuou vivendo na clandestinidade, uma vez que o aparelho repressivo do Estado havia confiscado seus documentos. Fluente em francês, espanhol, russo e alemão, sobreviveu fazendo traduções de livros, artigos ou crônicas, já que não podia trabalhar formalmente, até ser preso novamente em 7 de maio de 1974. Desde essa data nunca mais foi visto.

Várias publicações da época listam Thomaz como desaparecido, embora nenhum registro de óbito ou qualquer outro documento do sistema formalize seu desaparecimento. Em depoimento a Comissão Nacional da Verdade, o general de brigada Aldyr Fiúza de Castro, reconheceu a morte de Thomazinho e mais onze desaparecidos políticos. O ex-delegado do DOPS/ES Cláudio Antônio Guerra, também em depoimento a CNV, admite que “pode” ter levado o corpo de Thomaz para incineração na usina de açúcar Cambahyba, em Campos dos Goytacazes, no Rio de Janeiro.

Thomaz Antônio da Silva Meirelles Netto foi casado com a jornalista Miriam Marreiro Meirelles, com quem teve dois filhos, Larissa e Togo, este não conheceu seu pai. Em homenagem a sua luta política, existe uma rua no Rio de Janeiro com o seu nome e em 2000, foi homenageado com a Medalha Chico Mendes de Resistência, conferida pelo Grupo Tortura Nunca mais do Rio de Janeiro e em Parintins uma escola.

Sobre o caso Thomazinho Meirelles, a Comissão Nacional da Verdade é taxativa em afirmar que “Thomaz Antônio da Silva Meirelles Netto, foi morto e desapareceu por ação de agentes do Estado brasileiro, contexto de sistemáticas violações de direitos humanos promovidas pela ditadura militar, implantada no país a partir de abril de 1964.”

É impossível falar desse período militar e não reconhecer a força que emanava do movimento estudantil, símbolo da rebeldia e resistência contra o autoritarismo do governo. Várias organizações de jovens, a participação da Igreja Católica, foram às ruas. Passeatas, mobilizações, intervenções culturais, tudo o que de forma organizada e consciente questionasse a arbitrariedade do sistema, era alvo desses estudantes questionadores. Lutaram na clandestinidade, lutaram pelo Brasil. O movimento estudantil deu o tom do enfrentamento, não havia mais nada a perder. Todos os direitos já haviam sido proibidos. O erro estava em ser questionador.

Ir às ruas era um exercício consciente da cidadania, lutar pela liberdade do próximo, pelo direito de ir e vir, abrir Mao do convívio em família e do conforto de uma vida “normal” em nome da construção de uma sociedade mais humana e não apenas um motivo de uma selfie para as redes sociais. Ultimamente, algo em termo de contingente aconteceu nas ruas do país, porém, reitero a juventude dos anos de chumbo, não serviu a modismos.

E finalizo com Geraldo Vandré com a canção que expressa bem nossa vontade: “Os amores na mente, a história no chão. A certeza na frente, a história na mão. Caminhando e cantando e seguindo a canção. Aprendendo e ensinando uma nova lição...”

Qual lição a aprender? Lutar para que a liberdade tão duramente conquistada seja respeitada, pois o país mercê amadurecer no pleno exercício da construção de sua consciência cidadã e rejeitar veementemente todo e qualquer mecanismo que venha diminuir ou eliminar

 

Texto: Larice Butel

 

Fontes: Relatórios da Comissão da Verdade, Volumes I, II e III

Ecos da Saudade – Lembranças da Família Meirelles – Edda Meirelles da Silva

Acervo Documental da Câmara Municipal de Parintins

Instituto Memorial de Parintins

Projeto História e memória Política de Parintins