Nem Todos!

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...” (Art. 5o, caput, da CF/88)

Nem Todos! Observa-se profundas contradições, quando parlamentares (deputados e senadores), gestores públicos, chefes de estado usufruem de privilégios por ocuparem posições relevantes na pirâmide social. Foto: Luiz Silveira/Agência CNJ Notícia do dia 18/12/2025

A última página do calendário 2025 quase na lixeira. Sob máscaras de celebrações natalinas o mercado entorpece a sociedade com adereços, entretenimentos, bugigangas, comilanças e consegue anestesiar memórias em relação a questões conjunturais.    

 

Entre as inúmeras questões, cutuca-nos as intenções registradas na Constituição Federal/88 afirmando que as leis ali estabelecidas se aplicam a todas as categorias da sociedade independentemente de classe, raça, gênero, credo e serão cumpridas de forma igualitária. 

 

No entanto, não se pode perder de vista que as leis são instrumentos do Estado Democrático de Direito, criadas por representatividades que controlam e regulam direitos e deveres, conforme o perfil e condições socioeconômicas de cada cidadão/cidadã, conforme citação em O Estado e a Revolução*: “a afirmação da origem, função e aplicação da lei, como algo “comum” serve apenas para encobrir a dominação de classe e fazer da lei um mito ou dogma inquestionável”.

 

Problematizando-se a realidade, “direitos iguais” é pura máscara; é falseamento incontestável: o proclamado constitucionalmente encobre a dominação de classe e poder na elaboração das leis transformando-as em mecanismo das elites de controle sobre categorias e classes subalternalizadas.

 

A pauta em questão fluíra com base em comprovações vivenciadas referentes a situações de pessoas em condições desvalidas, condenadas a encarceramentos presidiais. 

 

Em 2017, sob apoio de Dr. Fábio César Olinto de Souza, na época, Juiz da 1a Vara da Comarca de Parintins/Am, lancei-me ao desafio de conhecer de perto a realidade de condenadas/condenados ao presídio público de Parintins/Am., o que resultou na publicação da obra Algemas Silenciadas. 

 

Ao adentrar naquele espaço insalubre, o impacto mexera com padrões pessoais internalizados em minha psique; ao mesmo tempo trouxera-me reflexões, despertares fundamentais no sentido de decodificar razões do porquê, ali, naquele presídio, não visualizei privilegiados sociais. Somente desvalidos atufalhavam* os inóspitos espaços: todos e todas frutos de vulnerabilidades impostas a categorias periféricas; homens e mulheres afunilados expressando medos, vergonhas, dores, culpas, traumas, silêncios... Provocações a quebras de paradigmas discriminatórios experienciadas naquele presídio envolveram-me com filosofias de Osho*: “É no pesadelo que os humanos despertam”. 

 

E assim se fez! 

 

Uma jovem condenada levanta a voz e me aponta o dedo: “Vocês que estão lá fora pensam que são livres! Pensam!... Vocês vivem algemados por patrões, por políticos, por maridos, namorados, padres, pastores e não percebem. Estamos na mesma condição”.  

 

O dedo indicador da jovem me permitiu ainda compreender as incoerências do Artigo 5o da CF/88 sobre “a igualdade entre todos”, haja vista que a predominância é a desigualdade de classe social. O indicador da jovem também me instigou trazer a público através de Algemas Silenciadas, realidades mascaradas de “ressocialização”, adormecidas, ignoradas e os porquês daquelas criaturas condenadas terminarem ali. 

 

Segundo a Legislação Brasileira, a Lei de Execução Penal no 7210/1984, assegura aos encarcerados direitos preservados: integridade física e moral, combate a maus-tratos; proteção contra abusos; assistência jurídica, acompanhamento de processos; benefícios; direito à saúde; atendimento médico regular; direito à educação e trabalho; programas educacionais; remição de pena; direito a visitas de familiares. 

 

Aos direitos assegurados na Lei em referência observa-se e comprova-se através de fatos e relatos, profundas contradições, quando parlamentares (deputados e senadores), gestores públicos, presidentes, chefes de estado usufruem de privilégios em casos de “condenações” por corrupções, abusos de poder pelo fato de ocuparem posições relevantes na pirâmide social. 

 

Em contrapartida, na base da pirâmide choros e ranger de dentes! É impossível aceitar e conviver passivamente com a farsa da igualdade de direitos registrada no Artigo 5o da CF. 

 

Quanta tortura o sistema prisional aplica a miseráveis sem voz e sem vez sob silêncios de poderes constituídos constitucionalmente!  

 

Que “programas educacionais”, que atenção psicológica o sistema oferece a encarceradxs - a maioria frutos, subprodutos de violências sistêmicas desconhecidas nas próprias sombras de condenados?

 

São questionamentos em afirmação ao que o essencial da cura e da libertação social se torna invisível aos olhos do legalismo institucional.

 

Que respostas o Estado de Direito oferece às famílias dos 8 detentos mortos e aos outros 7 gravemente feridos no incêndio da penitenciária de Marília (SP) no último 25 de novembro? 

 

São inúmeras questões similares clamando por visibilização e justa intervenção para que o Artigo 5o se transforme e se efetive em Justiça Popular!...

 

Impossível declarar “feliz natal”, “próspero ano-novo” com celebrações fantasiosas e, na contramão, negar a ética do Nazareno: “Felizes os que têm fome e sede de Justiça”. 

 

Falares de casa 

Atufalhavam – Encher demasiadamente; abarrotar.

O Estado e a Revolução - LENNIN, Vladimir I. SP, Hucitec, 1983.

Osho – Bhagwam Shree Rajneesh; Lider espiritual indiano.

 

Maria de Fátima Guedes Araújo. Caboca das terras baixas da Amazônia. Educadora popular, pesquisadora de saberes popular/tradicionais da Amazônia. Licenciada em Letras pela UERJ (Projeto Rondon/1998). Com Especialização em Estudos Latino-americanos pela Escola Nacional Florestan Fernandes/ UFJF. É uma das fundadoras da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã, da TEIA de Educação Ambiental e Interação em Agrofloresta. Militante da Marcha Mundial das Mulheres (MMM) e Articulação Nacional de Movimentos e Práticas de Educação Popular em Saúde (ANEPS). Autora das obras, Ensaios de Rebeldia, Algemas Silenciadas, Vestígios de Curandage e Organizadora do Dicionário Falares Cabocos.