
Parintins amanheceu com um silêncio que nem os bumbás souberam romper. Um silêncio que não combina com quem sempre foi movimento, cor, brilho e som. Tarcísio Gonzaga partiu na manhã de sábado, 12 de abril de 2025, deixando para trás um vazio difícil de nomear. Como definir a ausência de alguém que sempre foi muitos?
Era o Tarcísio da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, devoto fiel de Nossa Senhora do Carmo e de Aparecida. Mas era também o filho da dona Creuza Menezes Gonzaga — e também o filho do coração de dona Rosa.
Começou na Catequese da Paróquia do Sagrado Coração de Jesus e sempre teve apoio Incondicional do Padre Francisco Luppino.
Foi o Tarcísio dos Surdos, que deu voz onde havia silêncio, que ensinou a beleza da comunicação com as mãos, e fez da Escola de Áudio Comunicação Padre Paulo Manna um palco de inclusão e poesia cênica.
Nos bastidores, ninguém fazia só uma coisa. Tarcísio era o produtor, o coreógrafo, o desenhista, o pensador.
Pensava figurino, escrevia roteiro, fazia cenário e ainda dava tempo de rir alto, contar história, ouvir a dor dos outros. Era um artista completo, criador de arte, desses que não cabem em um único título.
Tarcísio do Garantido, do Bar do Papai, das resenhas e gargalhadas com o saudoso artista Negão, Marquinho Azevedo, Paulinho Faria, Emerson Maia, que agora devem estar rindo juntos em algum canto estrelado do céu. Deixou sua marca inesquecível na Baixa da Xanda de São José.
Também foi do Caprichoso, brincava na rua Rio Branco, da Sá Peixoto. Foi das sinhazinhas de vestidos longos, luxuosos, infinitos. Cada traço dele bordado com a delicadeza que só quem ama de verdade consegue entregar.
Carnailha, Carnaval de Manaus, Marquês de Sapucaí — onde havia festa e resistência, ele estava.
Fundou o Boi Boiola, o Boi Rosa de Parintins, no ano de 2004, símbolo de luta contra o preconceito e flor que brotou no quintal da comunidade do Aninga. Lá, com a Tribo Aquidauanus, fez arte com orgulho e sem medo de ser quem era. Reafirmou com coragem a força da comunidade LGBTQIA+ no coração da Amazônia.
Foi professor no Instituto Autismo de Parintins.
Educador no Liceu de Artes Cláudio Santoro, onde fortaleceu o coral de surdos e ampliou para a parte cênica teatral.
Chamado de “Zona” pelos amigos, era mãezona de muitos, acolhendo, cuidando, sendo porto seguro em meio ao caos. Solidário, verdadeiro, preocupado com todos — um amigo que não se fazia de rogado pra estar presente.
Tarcísio não se foi, ele se espalhou. Ficou nos vestidos das sinhás, nas mãos dos surdos, nos palcos improvisados das escolas, nos risos do Aninga, na flor do Boi Boiola o Boi Rosa, na lembrança de cada um que teve o privilégio de conviver com ele. E agora, no céu, reencontra dona Creuza e descansa nos braços do sagrado que sempre o guiou.
Obrigado, Tarcísio, pela tua genialidade sem vaidade, pela tua luta sem trégua, pela tua arte múltipla e pela tua vida simples, verdadeira.
Eterno.
Hudson Lima/Jornalista DTR 001658-AM